Um recife de corais de 75 mil metros quadrados (equivalente a 10 campos de futebol) foi descoberto por cientistas a aproximadamente 30 quilômetros das praias do litoral de São Paulo. A estrutura, cuja formação começou há 5 mil anos, também é considerada pelos pesquisadores aquela localizada mais ao sul de todo o Oceano Atlântico.
Â
O recife está no entorno da Ilha da Queimada Grande, conhecida mundialmente por abrigar uma espécie de serpente que está entre as mais venenosas: a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis). O desembarque é proibido no local não somente pelo perigo ao visitante, mas também por ser uma unidade de conservação sob responsabilidade federal.
Â
O entorno da ilha sempre foi utilizado por mergulhadores para explorar naufrágios históricos e registrar a rica biodiversidade, e por pescadores profissionais e amadores, uma vez que não há restrições para a atividade. Apesar dessa movimentação, a descoberta somente passou a se desenhar a partir de um estudo iniciado em meados de 2015.
Â
Foram necessários três anos de rotineiros mergulhos, coleta de material, análise e pesquisas na literatura cientÃfica para que os acadêmicos Guilherme Henrique Pereira Filho e Fábio Motta, ambos do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LabecMar), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tivessem a certeza do ineditismo.
Â
"A gente tinha iniciado o monitoramento de áreas marinhas protegidas quando nos deparamos com a formação. No Brasil, até então, os recifes ocorriam entre o sul da Bahia e a foz do Rio Amazonas. Esta descoberta é única por mostrar a ocorrência em um novo local e pelo recife ser formado por apenas uma espécie", explica Filho.
Â
Â
Motta conta que a estrutura está na área mais abrigada da Queimada Grande, justamente no lado da ilha em frente as praias de Itanhaém. "Conforme se afasta do costão rochoso, você tem um trecho de areia no fundo e chega no platô recifal. É muito mais evidente quando observa a quebra nas laterais, e associados estão os bancos de algas calcárias".
Â
Dez metros é a distância aproximada do costão até o inÃcio da formação, cuja profundidade varia de 10 a 25 metros, segundo os pesquisadores. Para dimensionar a descoberta, Guilherme afirma que ambos, apoiados por outros mergulhadores, percorreram toda a formação e traçaram o perÃmetro com apoio de sonares de varredura lateral.
Â
As amostras colhidas e analisadas em laboratório por meio da datação por carbono estabeleceram a idade milenar da formação dos corais da espécie Madracis decactis, que também ocorre nos recifes ao norte da costa. Os riscos dessa nova descoberta são os mesmos dos demais pelo mundo: o aquecimento dos oceanos e a acidificação da água.
Â
"Nosso grupo ainda quer entender como era o recife anos atrás e em que taxa realmente ele vem crescendo. Queremos compreender a ecologia desse ambiente, mas também o mapeamento dos usos humanos dentro de áreas como essa, justamente para poder conciliar os usos [mergulho, pesca, pesquisa] naquela região", explica Motta.
Â
A descoberta também colaborou para o plano de manejo do entorno da ilha, que é desenvolvido com participação dos gestores da área com a sociedade. "Eu vejo como um aspecto natural que agrega valor. Trata-se de uma oportunidade Ãmpar de conciliar o uso do espaço, sem excluir quem já está lá, mas apenas ordenar", complementa Filho.