“É o momento de refletir na vida, olhar que somos um passageiro neste mundo”. A postagem do dia 4 de janeiro na página de Cassiano Ribeiro Alvarenga, de 50 anos, parecia prever o que estava por vir. Lutando para vencer os sintomas provocados pelo coronavírus, poucos dias depois que a foto com o cateter de oxigênio, acompanhada da reflexão, foi divulgada no Facebook, o enfermeiro foi entubado, chegou a ter melhora, mas não resistiu à covid-19.
Depois de 38 anos dedicados à saúde indígena e 21 dias lutando contra a doença, Cassiano encerrou sua missão no planeta nessa segunda-feira (18). Como numa ironia do destino, partiu no dia da chegada da vacina a Mato Grosso do Sul, um dia antes das doses da CoronaVac desembarcarem em Dourados.
O enfermeiro destinou três das suas cinco décadas de vida a cuidar da comunidade. Durante a pandemia, foi incansável no trabalho de proteger indígenas da Aldeia Bororó e em cuidar de quem havia contraído a doença, contam os amigos.
De acordo com o médico, Gabriel Valagni, 29 anos, Cassiano tirou uns dias para descanso e logo que voltou, já com sintomas, foi dispensado do trabalho para investigar se estava com a covid-19. Estava. Foi internado no dia 29 de dezembro, primeiro no Hospital da Missão Evangélica Kaiowá, até ser transferido para o Hospital Universitário.
Cassiano não teve chance. Se estivesse bem de saúde, seria um dos primeiros da fila da vacina em Dourados, já que além de ser guarani-kaiowá e enfermeiro, tinha comorbidades. “Ele tinha diabetes e hipertensão, ambas controladas”.
Gabriel diz que está sendo muito difícil não só para a família, para a comunidade, mas para os colegas de trabalho aceitarem a morte de Cassiano. “A gente está em luto. Ele era o enfermeiro do meu posto, meu companheiro de trabalho”.
O médico afirma que, porém, ele e a equipe não permitirão que a morte do enfermeiro seja esquecida. “Estamos devastados, mas não vamos deixar que a morte dele ser vão. Vamos conscientizar e fazer essa campanha de vacinação”.
Segundo Gabriel, ainda não há doses no local, mas a meta é vacinar o mais rápido possível assim que as vacinas chegarem. “A gente ainda não recebeu aqui no polo base de Dourados, nós sabemos que chegou no município, mas a gente aqui do enfrentamento ainda não recebeu. Estamos esperando”.
Na Reserva Indígena de Dourados, onde estão as aldeias Jaguapiru e Bororó, vivem 18 mil indígenas.
CGNews