Soberana do peso-galo e do peso-pena do UFC, Amanda Nunes vem provando que não tem adversárias no UFC. Primeira pessoa da história a defender dois cinturões da organização enquanto está de posse de ambos, e no auge da carreira, a brasileira surpreende ao revelar que pensa em se aposentar. Em entrevista exclusiva ao Combate.com, a Leoa falou sobre os planos de ajudar jovens valores, principalmente meninas, e de ser técnica no MMA. Com uma vida financeira confortável, a única campeã dupla do UFC na atualidade diz que parar de lutar não é mais uma ideia tão distante.
- Tô ficando velha (risos). Não sei, já conquistei tudo o que eu queria. Na verdade não tem o que fazer agora na categoria. O UFC vai colocar umas lutas aí, as meninas vão ter que lutar pra chegar no topo pra poder lutar comigo. Mas eu tô realmente pensando mesmo - não quero meter os pés pelas mãos. Vou conversar, falar com o Conan ainda e com o Dan (Lambert, dono da ATT), mas eu tô bem, sabe? Tô bem pra lutar, tô bem pra me aposentar... Vamos ver. Já estou chegando naquele momento em que eu quero aproveitar um pouco mais. Quando viajo pro Brasil eu tenho que viajar contando quando eu tenho que voltar. Eu quero poder ir e descansar, e não ter essa preocupação de ter que retornar. Ter que retornar pra cá eu sei que eu tenho, mas não precisa ser na pressão, né? Posso seguir minha vida. Talvez uma nova etapa, achar novos talentos, ajudar umas meninas, e talvez ser técnica também. Eu acho que posso ajudar muito as meninas e os meninos também, mas com certeza o foco vai ser mais em ajudar meninas a conseguirem chegar nos seus objetivos. Eu acredito que eu posso ajudar muito, até porque eu sei o que é que passa na cabeça do lutador, principalmente mulher.
Amanda Nunes também falou como gostaria de ser lembrada. A Leoa quer, no futuro, ser vista como a mulher que fez o impossível.
- Sempre acreditar e fazer o impossível. Uma mulher ser a primeira a dominar duas categorias. Eu praticamente parei o peso-galo e o peso-pena, e eles estão se perguntando agora o que é que vão fazer comigo. É acreditar o tempo todo em você, no impossível, porque quando você tem fé, a fé move montanhas. Minha mãe sempre fala isso. E a dedicação também. Vou sempre ser lembrada como a atleta dedicada que eu sempre fui, e pela minha paixão por esse esporte. Você tem que amar o que você faz, tem que amar o seu trabalho, tem que amar tomar umas porradinha na cara (risos). Não tenho nem palavras pra descrever o quanto eu estou realizada, o quanto é feliz pra mim poder dividir isso com as pessoas num momento também tão difícil quanto o que a gente está passando agora. Na minha última luta não tinha os fãs, não tinha nada lá. Parecia que eu estava treinando, que estava na academia. É claro que a gente sente saudade dos fãs, mas eu acho que aquele momento tinha que ser assim pra mim, uma coisa mais reservada pra mim e meus técnicos. Um momento muito maravilhoso.
Ter dois cinturões do UFC é um privilégio de poucos atletas. Apenas B.J. Penn, Randy Couture, Conor McGregor, Daniel Cormier, Georges St-Pierre, Henry Cejudo e Amanda Nunes podem dizer que fazem parte do clube dos "campeões duplos". Os dois cinturões representam a realização profissional e financeira da baiana, e abrem as portas para outros planos fora do octógono - desde a indicação futura ao Hall da Fama do UFC até trabalhar como membro efetivo do UFC.
- São gêmeos. Eu estava com um antigo e um novo, e agora ganhei o novo. Tem sete em casa agora, sete bebês. Tô muito feliz, realizada com tudo isso, todo o meu esforço com as pessoas que realmente acreditaram junto comigo. Consegui mudar a minha vida, ajudar a minha família. Agora talvez seja um próximo passo muito grande que eu vou dar na minha vida. Já pensou se eu não estivesse feliz? Ia ser muito chato da minha parte falar isso. Não dependo de ninguém pra me ajudar. O UFC me deu a independência. Claro que, daqui pra frente, tudo vai mudar. Quem sabe não vou trabalhar pro UFC? Eu sei muito bem que, com a amizade que eu tenho com o Dana White, eu tenho um trabalho fixo no UFC com certeza. Vem o Hall da Fama aí também, e acho que, se eu parar agora, o UFC vai me dar todo o suporte que eu preciso pra eu continuar tendo o meu dinheiro, com trabalho. O que eu construí no UFC foi uma amizade muito boa, e eles vão estar comigo até o fim. Falo do Dana White, porque a minha amizade é com ele.
Amanda Nunes também revelou que ouviu muitas comparações com Vitor Belfort, no que dizia respeito a não ser uma lutadora que chegasse em boas condições físicas aos últimos rounds das suas lutas.
- Eu já ouvi muito também que a Amanda é um Vitor Belfort da vida, já ouvi muitas vezes. E não por não gostar do atleta Vitor Belfort, mas eu sei das dificuldades que ele tinha no cage. Eu não queria ser comparada com uma coisa que o Vitor tinha que evoluir ainda, e sim com o atleta que ele é, um atleta duro, que gosta de treinar, que quer evoluir. Não queria ser comparada com a parte que o Vitor tem mais dificuldade, e o povo só me comparava assim. Eu ficava muito chateada. Por que não falam que eu tenho nocaute igual ao dele? Ou que o meu pontapé lembrou o dele no Dan Henderson no Brasil? O povo só lembra da parte do fracasso, e eu queria provar o contrário. Então, desde quando eu realmente passava por algumas dificuldades no cage pra cá, eu comecei a trabalhar nisso. Eu comecei a me autocriticar mentalmente e procurar a minha melhora mesmo, e hoje eu digo que ninguém nunca mais, nunca mais... Se houver chance deu retornar futuramente, com certeza vai ser outra crítica, porque essa já não vai existir mais.
As críticas dos fãs brasileiros, principalmente, também marcaram a Leoa. Ela contou um episódio vivido em um restaurante nos EUA com um compatriota antes da luta contra Cris Cyborg no UFC 232.
- Teve uma vez que eu estava em um restaurante brasileiro - é engraçado que as críticas são mais de brasileiros do que americanos. Eu recebi muitas críticas de brasileiros no decorrer da minha carreira. Eu estava sentada uma vez num restaurante brasileiro e um brasileiro chegou até mimm, tocou no meu ombro e falou: "Menina, não vai dar pra você não..." Assim mesmo, quando eu ia lutar com a Cris. “Mas, mesmo assim, eu posso tirar uma foto com você? Caso você ganhe eu já tenho a foto”. Assim, na cara dura! É brincadeira? Na verdade, eu não penso nisso. Eu meio que deleto da minha mente. Por exemplo, eu saí daquele restaurante, eu e a Nina, e a gente deu risada dele. Eu deixei até ele tirar a foto, porque seria uma foto que ia ficar marcada até pra ele também. Nunca mais ele vai falar de ninguém assim. Ele vai olhar pra essa foto e nunca mais vai fazer um comentário desse pra uma atleta que trabalhou muito e se dedicou muito. E aí eu tiro da minha mente.
A Leoa revelou o seu processo de equilíbrio mental não só para as lutas, mas na vida. Segundo ela, afastar os pensamentos negativos em todos os momentos ajudou a sua carreira a decolar.
-Eu tenho uma forma de conseguir bloquear essa negatividade, que se transforma em positiva pra mim. Eu fico mais forte, mais com fome de ganhar. É um bloqueio que eu consegui fazer na minha mente, com anos de pesquisa. Eu não penso negativo de ninguém, pra ninguém, Eu chego na academia e se um amigo meu falar assim, um cara que realmente eu vejo que tem que melhorar, se me fala que vai entrar no UFC e lutar com GSP, eu digo a ele: "Meu irmão, eu sei que você consegue, basta você querer. Se você acredita, você consegue." Eu nunca desejo mal, nunca critico nenhum atleta, e acho que a vida só me dá de retorno. E essa é a mensagem que eu quero deixar pras pessoas: se você deseja o bem pra todos, sem inveja, sem recalque, isso é bom pra você. A vida te dá em dobro. Minha mente é uma pena de uma ave de tão leve, e isso faz com que eu aprenda melhor. Você vêm na evolução de luta que todo o meu trabalho mental foi o que me transformou. Eu tinha tudo o que eu precisava, só que eu não estava encontrando, e com certeza hoje eu encontrei o equilíbrio mental. Essa é a palavra.
A campeã também falou sobre os planos para ajudar a carreira da sua noiva, a também lutadra do UFC Nina Ansaroff. Segundo ela, assim que Ansaroff puder voltar a lutar, o foco será na sua carreira e na busca do cinturão peso-palha do UFC.
- Depois da gravidez, Nina vai voltar a lutar e eu quero estar mais focada para ela chegar no objetivo que ela quer. Vou botar toda a força pra Nina chegar no cinturão.
Confira outros pontos da entrevista:
Caiu a ficha de ter batido mais um recorde?
- Caiu no mesmo dia, sabe? Foi um momento que eu já esperava… Eu treinei muito, a Felicia foi uma atleta muito estudada e fizemos um camp muito inteligente. Eu já sabia, estava muito bem preparada pra isso. Acho que todo mundo ali - Nina, Conan, Katel, Mike Brown, Parrumpa - estava certamente seguro que seria assim, e foi né? Foi demais.
Sorriso durante a luta contra Felicia Spencer
- A minha felicidade era tanta que eu não conseguia segurar durante a luta, entendeu? Não era o momento de sorrir, claro, mas só que eu não consegui segurar porque eu estava conseguindo impor o meu jogo, conseguindo fazer o que eu fiz no treino. Tem atletas que treinam pra caramba e na luta não conseguem mostrar nem metade do que fizeram no treino. Então aquele momento, pra mim, foi excepcional. Foi o ápice na minha carreira, de eu estar me divertindo mesmo. Foi nítida a felicidade, o quanto eu estava aproveitando aquele momento, evoluindo junto com aquele momento, né? Com uma oponente duríssima. A Felicia Spencer é duríssima. Tinha que ser com ela pra acabar com aquela coisa de "Amanda não vai pro quinto round", "Amanda, passou do segundo ou terceiro, ela não consegue mais ficar na luta". Acabou isso tudo. Esse foi o motivo da minha risada.
Autocrítica e treinos com homens
- Eu tenho uma autocrítica muito grande comigo, e toda vez que eu piso na academia, eu piso com vontade. Quando eu piso na academia, eu não piso com preguiça, eu piso pra treinar mesmo, duro, pra fazer sparring duro. Pode ser com quem for. Teve um camp que eu fiz que foi com o Pedrinho Munhoz, e eu falei para o Conan: "Vem cá, Papa! Pedrinho vai me quebrar!" Já fiz treino com o Dustin Poirier. São treinos que às vezes muita gente olha e pensa que eu não vou tirar nada dele, mas fazer um sparring com o Dustin Poirier, ou um drill com o Thiago Moisés... Nem me lembro com quantos atletas de ponta, meninos duros mesmo, eu já treinei. Isso me ajudou muito. Você tem que dar a oportunidade para aquela atleta evoluir.
Comparação a Neymar feita por Popó
- Todo mundo no esporte quer ser o melhor, né? Se o Neymar é o melhor hoje, com certeza é bom. Quem são os melhores do mundo hoje? Eu acho que são Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar. Todo mundo quer ser o melhor. Eu sempre quis ser a melhor mesmo, não vou mentir. Quando eu falo isso as pessoas pensam que eu tô brincando. É natural do ser humano querer crescer na vida, é natural do ser humano querer estar no topo da montanha. Se você não pensa assim, você vai ser um perdedor. Quando eu comecei a treinar, quando eu comecei a lutar eu falei: "Vou ser a melhor lutadora de todos os tempos". Eu quero ser comparada com o melhor mesmo!
Equiparação de salários
- Eu tô muito bem. Jamais vou falar mal da pessoa que bota comida na minha mesa. Eu construí tudo isso aqui por causa do UFC, e eu tive momentos muito grandiosos. Por exemplo, a minha luta contra a Ronda Rousey. Aquela luta foi um espetáculo em tudo. Financeiro, e a minha projeção como atleta. Eu acredito que tudo é questão de tempo. É na minha negociação que eu vou tentar mudar. Estou mostrando o meu trabalho, e na minha negociação, na minha conversa com o Dana e com os matchmakers, eu vou tentar fazer com que eles mudem, mas jamais vou levar isso pra internet ou meter o pau, porque eu acabo perdendo o que eu conquistei com eles, que foi uma amizade e uma forma deles me escutarem. Eu fiz isso através do meu trabalho. Quero deixar bem claro que estou muito feliz com o UFC, muito feliz mesmo. Nem tudo o que sai na mídia é a verdade. Eles me tratam muito bem, da forma que eu realmente mereço. Tem aquela coisa da Ronda, que ela foi a primeira mulher e tal. E realmente foi. Realmente o Dana tinha ela como um "baby", como a cara do UFC, e eles a transformaram na estrela que ela é. Hoje eu acredito que ela já fez isso, ela tem esse marco, e pra chegar assim vai demorar um pouco. Se eu fiz o que eu fiz e ainda não tenho esse cheque ainda (risos). Vai demorar muito. Mas eu espero que futuramente, talvez... Eu ainda brinco com Nina: "Não nasci com cabelo loiro, não tenho olhos azuis, não sou branquela (risos)". Falei isso numa entrevista.
Levantar Junior Cigano na academia
- Foi no finalzinho da nossa preparação, eu já forte pra caramba. Eu gosto de levantar peso. Sempre falo: "Pode fazer qualquer treino que você quiser, mas levantar peso você nunca pode tirar da minha preparação. É o que me dá a minha pancada, é a minha base. Eu me sinto forte. E esse dia meu treinador falou pra mim: "Vamos ver quanto você levanta no supino, depois da gente ter terminado o camp". E não é que eu levantei? Eu levantei Junior Cigano (risos)!
Amor pela luta
- Eu tenho que internalizar que eu sempre vou ter isso. Isso é uma coisa que faz parte de mim, faz parte da minha vida, não vai sair assim. Só que a gente tem que entender que a gente não tem uma vida longa como um cantor, que canta até bem velhinho. A nossa passagem por esse esporte é muito rápida, eu tô num momento que eu posso, sim, me aposentar. E também posso lutar. Vou definir os próximos capítulos da novela.
Ser mãe de novo
- O foco total é em Nina. A Reagan tá chutando muito agora já, tá fazendo uma bagunça (risos). E Nina está bem, a gravidez dela tá bem tranquila. Eu também tô pensando em fazer o processo que ela fez pra retirada dos meus óvulos pro próximo filho nosso ser o meu. Na verdade vou tirar o meu óvulo, a gente vai colocar com o doador, fazer o mix e botar em Nina. O próximo eu quero que seja com a minha genética. Mas tô pensando ainda, porque esse processo é muito louco. Eu vi o que a Nina passou aqui, e eu sou muito frouxa pra essas coisas. Esse negócio de cinco agulhadas por dia, hormônio... Eu vou enlouquecer.
Nascimento da filha
- Ela chega em setembro. Falei pra Nina que eu quero muitas fotos desse momento, do protetor e tal... Quero mostrar pra ela que ela já tava ali. Eu já tava na vantagem, tava com cinco córneres contra a Felicia (risos). E eu quero fotos, quero vídeos, porque eu fico pensando que eu queria ter mais fotos de quando eu era criança, mais momentos e hoje eu tenho muito pouco, porque naquela época telefone não existia, e máquina fotográfica só quem tinha muito dinheiro e minha mãe não tinha. Eu tenho umas fotinhos, mas hoje eu queria tanto... Eu quero fazer isso com ela, quero ter muita coisa, muitas recordações de antes da chegada dela e depois então vai ser uma loucura. A gente tá preparando agora o chá de bebê, e na cultura aqui é só mulher. Aqui a cultura é assim, é uma coisa feminina.
Vai contar pra filha que foi campeã?
- Primeiro eu não quero contar. Se eu estiver na rua e alguém vier pedir pra tirar foto comigo, quero que ela fique curiosa pra saber, entendeu? E aí eu quero que ela vá descobrindo, porque ela vai ver o cinturão em casa e vai dizer assim: “O que é isso?”E aí ela vai lá pesquisar sobre mim. Eu quero que venha dela. Quando ela chegar pra mim e falar, aí sim eu começo a contar, mostrar tudo pra ela tudo. Mas eu quero que seja uma coisa natural ela descobrir o que eu fui. E daí eu vou começar a contar.