Política

Damares Alves discursa nesta segunda-feira no Conselho de Direitos Humanos da ONU

A assessoria de Damares foi procurada pelo GLOBO para falar sobre a ida a ONU, mas não retornou


Damares Alves discursa nesta segunda-feira no Conselho de Direitos Humanos da ONU

A estreia internacional da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que discursa nesta segunda-feira no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrerá na véspera de o assassinato ainda sem resposta da vereadora Marielle Franco completar um ano, após a tragédia de Brumadinho e em meio a atos do governo Bolsonaro questionados pela sociedade civil organizada, como o pacote batizado de “anticrime” enviado ao Congresso Nacional. Esses são alguns dos temas sobre os quais o Brasil poderá será cobrado, apontam organizações não governamentais que participarão da sessão em Genebra.

A posição do Brasil sobre a renovação de uma relatoria para fiscalizar a situação dos direitos humanos no Irã é outro foco de atenção internacional. Houve uma oscilação ao longo do tempo. Após votos favoráveis desde 2011, em 2015 o país se absteve, ainda no governo Dilma Rousseff, após pressões de Teerã, mantendo a mesma posição nos anos seguintes, sob gestão do ex-presidente Michel Temer. O voto do Brasil, agora sob um novo governo, é uma incógnita.

Candidatura para 2020
Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que, caso eleito, o país deixaria o Conselho de Direitos Humanos da ONU, apontado por ele como local de “comunistas”. Os Estados Unidos de Donald Trump se retiraram em meados do ano passado. A ida de Damares, no entanto, sinaliza que a ameaça do presidente não deve se concretizar. O mandato do Brasil termina no fim deste ano, e a candidatura já foi lançada. Se a ministra não retirar o pleito, o país vai buscar, nas eleições de 2020, permanecer com assento no Conselho, que é parte do corpo de apoio à Assembleia Geral das Nações Unidas.

Apesar do protagonismo reconhecido na esfera internacional em relação à promoção dos direitos humanos, o Brasil tem sido cobrado sistematicamente por situações que persistem. A segurança dos defensores dos direitos humanos é um dos temas que devem reaparecer nessa sessão com força na figura de Marielle, segundo Darci Frigo, coordenador da ONG Terra de Direitos e ex-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

— Fica evidente que a morte de Marielle, talvez o caso com maior repercussão internacional já visto, não conseguiu mudar o quadro de ameaças e atentados a defensores de direitos humanos. Agora temos o deputado Jean Wyllys, que deixa o mandato por ter a vida em risco. Enquanto isso, ameaças e mortes continuam acontecendo nos rincões entre os defensores anônimos — afirma Frigo.

O pacote de combate à violência enviado ao Congresso pelo governo Bolsonaro também ocupará os painéis que as ONGs farão. Deve reavivar problemas antigos pelos quais o Brasil é cobrado na esfera internacional, como a letalidade policial. Inúmeras reprimendas já foram dirigidas pela ONU ao governo brasileiro sobre execuções sumárias cometidas por agentes do Estado e tortura. A criação de circunstâncias para enquadrar a morte por legítima defesa no pacote do ministro da Justiça, Sérgio Moro, é um dos pontos atacados:

— Esse pacote do Moro vai ser denunciado de forma generalizada pelas ONGs porque legitima o extermínio de pessoas e agrava a situação da segurança pública — diz Frigo. — Nós já temos a legítima defesa, a polícia já mata sem precisar de autorização. Agora, institucionaliza-se a pena de morte.

As ONGs participam ativamente da sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em reuniões oficiais e eventos paralelos, que vão de segunda até 22 de março. Nos três primeiros dias, destinados aos discursos dos representantes dos chefes de Estado, os ativistas podem ficar no plenário, mas não têm direito a falar. Nos demais, as organizações, que têm status consultivo na ONU, podem fazer discursos.

Pontos sensíveis
Monica Benicio, companheira de Marielle Franco, e Avanilson Karajá, indígena ativista, devem integrar a comitiva das entidades neste ano. Camila Asano, coordenadora de programa da Conectas Direitos Humanos, uma das ONGs que também participam da sessão na ONU, considera importante que o governo brasileiro, sob a atual gestão, mantenha a tradição de se reunir com a sociedade civil, embora não tenha havido uma confirmação de agenda de Damares nesse sentido.

— É um governo que tem demonstrado resistência ao diálogo com a sociedade civil. Seria positivo se a ministra, em Genebra, não fizer uma agenda somente com autoridades da ONU e dos países, mas também com as organizações, seguindo uma boa prática que os outros representantes do Brasil sempre fizeram — afirma Asano.

Discussões sobre violações contra povos indígenas e a tragédia do rompimento de uma barragem na cidade mineira de Brumadinho, que matou ao menos 176 pessoas e deixou mais de 130 desaparecidos, segundo o último balanço, são outras pautas esperadas. A preocupação com os atos do governo Bolsonaro na política indígena será um ponto obrigatório, aponta Flávio Machado, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB):

— Houve um esfacelamento da Funai e da política constitucional da demarcação de terras indígenas, ao mandar o setor fundiário para o Ministério da Agricultura, ou seja, sob o crivo dos ruralistas. Ao mesmo tempo, o discurso de ódio tem repercussão na violência, nas ameaças, em invasões e esbulhos de terras indígenas — afirma Machado.

A assessoria de Damares foi procurada pelo GLOBO para falar sobre a ida a ONU, mas não retornou.