A cientista brasileira Livia Schiavinato Eberlin, 33 anos, desenvolveu uma espécie de caneta capaz de detectar células tumorais em poucos segundos. Formada em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela já é chefe de um laboratório de pesquisa na Universidade do Texas, em Austin, Estados Unidos.
Há dez anos morando nos EUA, Lívia está no Brasil nesta semana para apresentar os achados de sua pesquisa no congresso Next Frontiers to Cure Câncer, promovido anualmente pelo A.C. Camargo Câncer Center, na cidade de São Paulo.
Há quatro anos ela iniciou os estudos de um dispositivo capaz de extrair moléculas de tecido humano e apontar, no material analisado, a presença de células cancerosas. A tecnologia está em estudo, mas já teve resultados promissores ao ser usada na análise de 800 amostras de tecido humano.
Nos Estados Unidos, Lívia ganhou destaque na comunidade científica ao ser uma das personalidades selecionadas em 2018 para receber a renomada bolsa da Fundação MacArthur, conhecida como “bolsa dos gênios” e destinada a profissionais com atuação destacada e criativa em sua área. O prêmio, no valor de U$ 625 mil (cerca de R$ 2,5 milhões), é de uso livre pelo bolsista.
A caneta batizada de MacSpec Pen, tem como principal objetivo certificar durante uma cirurgia oncológica, que todo o tecido tumoral foi removido do corpo do paciente. Já que nem sempre é possível visualizar a olho nu o limite entre a lesão cancerosa e o tecido saudável. “Muitas vezes o tecido é retirado e analisado por um patologista ainda durante a cirurgia para confirmar se todo o tumor está sendo retirado, mas esse processo leva de 30 a 40 minutos e, enquanto isso, o paciente fica lá, exposto à anestesia e a outros riscos cirúrgicos”, explica Lívia.
“A caneta tem um reservatório preenchido com água. Quando a ponta dela toca o tecido, capta moléculas que se dissolvem em água e são transportadas para um espectrômetro de massa, equipamento que caracteriza a amostra como cancerosa ou não”, explica a cientista. A caneta desenvolvida por Lívia e sua equipe de pesquisadores, usa uma técnica de análise química para dar essa mesma resposta que um patologista daria.
Essa caracterização da amostra maligna ou não, pode ser feita porque a tecnologia usa além dos equipamentos de análise química, técnicas de inteligência artificial para que a máquina “responda” se as células são tumorais. Para isso, foram usadas na criação do modelo, centenas de amostras de tecidos cancerosos que por meio de suas características, “ensinam” a máquina a identificar tecido tumoral. “Na primeira fase da pesquisa analisamos mais de 200 amostras de tecido humano e verificamos uma precisão de identificação do câncer de 97%”, conta Lívia.
Próximos passos
O resultado dessa etapa do estudo foi publicado na prestigiosa revista científica Science Translational Medicine em 2017. O grupo de pesquisa da brasileira nos EUA, ampliou a investigação para 800 amostras de tecido e recentemente, obteve autorização de comitês de ética de instituições americanas para testar a técnica em humanos, durante cirurgias reais.
“Apesar dos bons resultados em amostras de tecido, o modelo ainda precisa ser validado em testes clínicos. Se os resultados forem confirmados, ainda deve demorar de dois a três anos para a caneta ser lançada como produto”, opina Livia. O dispositivo já foi testado para câncer de cérebro, ovário, tireoide, mama e pulmão, e está começando a ser usado também nas pesquisas de tumor de pele.
Caso a técnica se mostre eficaz também para esse tipo de câncer, ela poderia ser usada para identificar se pintas ou outras lesões de pele são malignas sem a necessidade de remoção de uma parte do tecido, o que pode trazer danos estéticos.
Para Fabiana Baroni Makdissi, cirurgiã oncológica e diretora do Centro de Referência da Mama do A. C. Camargo Cancer Center, caso confirmada a eficácia do método em todas as fases da pesquisa, ele trará ganhos nos tratamentos contra o câncer por permitir maior precisão na retirada dos tumores. “Uma das coisas mais importantes quando a gente fala de tratamento cirúrgico é que o cirurgião consiga retirar completamente o tumor. As taxas de cura vão estar relacionadas a isso, mas temos limitações em garantir que toda a circunferência do tecido retirado esteja livre de células tumorais. Então, uma tecnologia como essa, se validada, tem muito a agregar.”
Ela explica que a técnica seria importante porque nem todos os hospitais contam com um patologista na equipe cirúrgica para analisar o tecido removido ainda durante a operação. “Nesses casos em que não há essa análise das margens durante a cirurgia, a taxa de reoperação é maior”, diz.
Fabiana destaca ainda que a rapidez do novo método pode ter outras vantagens para o paciente. “A redução do tempo cirúrgico seria um benefício agregado da técnica, principalmente em pacientes mais idosos, com doenças crônicas, que têm maiores riscos durante um procedimento cirúrgico”, diz a especialista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.