Uma dose diária de raiva não faz mal a ninguém, pelo contrário, pode até ser benéfica”. Apesar de parecer uma frase irônica, essa foi a afirmação defendida pelos cientistas do Instituto Nacional de Psiquiatria Ramon de la Fuente Muñiz, do México, que desc
Uma dose diária de raiva não faz mal a ninguém, pelo contrário, pode até ser benéfica”. Apesar de parecer uma frase irônica, essa foi a afirmação defendida pelos cientistas do Instituto Nacional de Psiquiatria Ramon de la Fuente Muñiz, do México, que descobriram que a irritação tem capacidade de beneficiar o coração e o cérebro.
Segundo a pesquisa conduzida pelo neurobiólogo Eduardo Calixto, que contou com a participação de 60 pessoas, sentir raiva pode ser algo bom, porque “quando nos irritamos, liberamos mais dopamina, um hormônio que estimula o cérebro e promove uma excitação nos neurônios”.
A partir de outros testes, Calixto e sua equipe constataram que passar raiva por 30 a 40 minutos diariamente faz com que nosso corpo produza mais dopamina, responsável por aumentar batimentos cardíacos, e também noradrenalina, capaz melhorar a condição física, ajudando o indivíduo a resolver melhor alguns problemas.
Especialistas defendem que os sentimentos quer sejam eles experienciados com prazer como alegria felicidade ou experienciados com desconforto como tristeza, angústia e raiva, são primordiais para a sobrevivência do indivíduo.
“A raiva e os demais afetos negativos têm um papel primordial na proteção na defesa da vida. Quando o organismo reage com raiva, significa que se sentiu ameaçado, invadido, agredido, colocado sob risco e, portanto, precisa se defender”, afirma o psiquiatra da Clínica Psiquiatria Paulista Henrique Bottura.
Isso significa que passar raiva porque ficou presa no trânsito ou porque presenciou alguma situação de injustiça no trabalho é algo bom para o corpo? Não exatamente.
“O sentimento de raiva permite que o indivíduo sinalize ou reaja ao fator ameaçador para cessar o risco”, afirma Henrique. Dessa forma, não se trata de dizer que o sentimento de raiva é saudável ou não. “Ele é simplesmente primordial e necessário”, aponta.
O psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Americana de Psiquiatria Luiz Scocca explica que é preciso ter cautela em relação à associação do sentimento a algo realmente positivo.
“Uma baixa dose de raiva bem dirigida, além de proteger a pessoa de eventos externos negativos, estimula o cérebro a produzir substâncias estimulantes e prazerosas”, pondera.
De acordo com Luiz, a raiva pode inclusive acabar com uma injustiça ao estimular uma pessoa a lutar pelo que acredita ser certo e, “antes de deprimir ou infartar, dirigir adequadamente suas ações para seus objetivos”.
“Porém, uma raiva mal dirigida, mesmo que curta, pode trazer, além de arrependimento, prejuízo no trabalho e nos relacionamentos, consequências legais, etc.”, alerta.
O estudo também diz que os efeitos podem ser adversos se as pessoas permanecerem em estado de irritação por muito tempo.
A raiva por tempo muito prolongado e até crônico induz a produção em excesso de substâncias, como a adrenalina e o cortisol. “Esse excesso começa a produzir efeitos negativos no sistema cardiovascular, alterações prejudiciais no sistema imune, muita inflamação, gastrites, úlceras, cólon irritável , além da depressão e de sintomas ansiosos”, fala Luiz.
Além disso, o sentimento causa reações que, expressadas ou não, podem causar problemas. “Se contida, a raiva gera problemas psicossomáticos, como dores físicas ou contraturas musculares, que acarretam em fibromialgia e bruxismo, por exemplo”, pontua Henrique.
Já as consequências da perda de controle da raiva podem ser muitas, desde sociais - como prejuízos no trabalho, términos de relacionamentos até a própria saúde cardiovascular. “Uma crise de fúria pode levar a um infarto, por exemplo”, complementa.
Os médicos chamam a atenção, inclusive, para uma condição, conhecida como Transtorno Explosivo Intermitente, que ocorre quando a pessoa perde o controle da raiva, de modo a reagir de forma absolutamente desproporcional ao evento ocorrido.
“Essas pessoas sofrem com as consequências de suas reações pois percebem que foram absolutamente inadequadas porém não conseguem se conter e vivenciam um sofrimento emocional em função disso”, explica Henrique.
Dessa forma, para se ter o benefício ao sentir raiva , é preciso ponderar o sentimento e analisar o contexto. “Podemos sentir raiva e organizar uma ação que cumpra a sua função primordial de proteção da vida. Gritar, agredir em situações sociais, em geral, são atitudes inadequadas. Porém, em situações de defesa pessoal podem ser necessárias para sobrevivência. Sendo assim, a manifestação saudável da raiva depende muito do contexto”, finaliza o psiquiatra